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Criança que come tijolo tem deficiência de ferro.

  • Foto do escritor: Taty Mendes
    Taty Mendes
  • 13 de set. de 2021
  • 3 min de leitura

Atualizado: 22 de out. de 2021

Desde já alerto que não tenho a mínima ideia quanto a veracidade desta afirmação e, apesar disso, ela sempre me causou muita admiração. Afinal, se existe um mecanismo interior que me direciona para uma percepção do que meu corpo precisa nutricionalmente, confesso que o meu está completamente quebrado. A necessidade orgânica foi dando lugar ao alimento que acolhe e acredito que nos últimos anos precisei de muito acolhimento.

Depois de emagrecer quase 10 quilos, com crises de choro por não dar conta de seguir uma dieta que foi feita para mim e com tudo o que eu gosto, a comida passou a exercer um lugar de ferramenta de autoconhecimento. A nutricionista e a endocrinologista são extremamente importantes neste processo, mas o mais importante eu tenho resolvido na terapia.


Fiz exames de sangue e, além do torra da minha médica, eu escutei de uma das minhas amigas mais queridas: "Amiga, ainda bem que você cuida da alma, porque o corpo...".

Então era isso. Emagrecer não era uma opção, era uma necessidade. E como alguém espiritualizado poderia não cuidar do corpo? O corpo é a casa do espírito e tem que estar bem cuidado. Sempre soube disso, mas o fato é que tinha um ser dentro de mim incontrolável que vou chamá-lo carinhosamente de "Joselito" para que vocês possam compreender melhor esta história.

Joselito mora dentro de mim e ele sente fome o tempo todo.

Uma vez eu chorei no consultório da endocrinologista dizendo que ele me maltratava. Expliquei para a Dra. que o Joselito me fazia comer o que eu não queria e que ele era muito mau e por isso eu não conseguia emagrecer. A médica carinhosamente, mas sem esconder a preocupação em seu semblante, me recomendou procurar um psiquiatra e tomar remédios que atuariam no meu sistema nervoso central. Acho que a deixei um tanto quanto assustada. Levei a sugestão dela para o meu psicólogo que me conhece há anos e ele disse calmamente: "Vamos colocar o Joselito aqui do seu lado no divã". Eu não queria, Joselito era do mau, um ser algoz e eu quem pagaria aquela sessão de terapia e não ele.

Ressalto que tenho amigos que tratam a comida como alimento, tomam suplementos e se sentem felizes. Admiro isso, mas não é o meu caso. Existe diferença entre alimento e comida e aí está a raiz de tudo.

"Alimento é o que o indivíduo ingere para se manter vivo; já a comida ajuda a situar uma identidade e definir um grupo, uma classe, uma pessoa." (Lima, 2015)

O fato é que a comida tem um papel social e tem uma função agregadora na nossa sociedade. O problema é que como eu não sou da bebida alcoólica, deixei o Joselito usar como fator agregador a própria comida. Ele sempre dizia para os meus amigos: "Vamos sair para lanchar?", "Vem aqui comer uma pizza?" A comida tem um papel social muito importante na vida do Joselito. Fato é que ao mesmo tempo em que somos o que comemos, também comemos o que somos. Então, além da função agregadora a comida passou a assumir o papel de "comfort food" na vida de Joselito .

"Comfort food é um termo criado em 1990 e se aplica a toda comida escolhida e consumida com o intuito de proporcionar alívio emocional ou sensação de prazer em situações de fragilidade (...)" (Gimenes, 2016)

No divã, Joselito e eu pesquisávamos qual vazio estávamos preenchendo com a comida. Confesso que Joselito me assustou. Vou falar só para vocês que ele não era um cara muito equilibrado não. Apareceram abandonos da infância, medo do abuso sexual, saudades de coisas não vividas, ansiedades, preocupações, busca do autoamor. Eu e o meu psicólogo explicávamos para Joselito que a comida não resolvia nada disso, mas ele simplesmente não dava conta de ouvir.


Até que um dia ele olhou para a dor.

Eu, que tantas vezes senti raiva do Joselito, naquele momento senti vontade de abraçá-lo.

Nos abraçamos muito e ficamos abraçados em silêncio por um longo tempo.

Foi bom!



Ainda hoje Joselito tem as suas inseguranças, mas ele continua em terapia. Ele está aprendendo a extravasar as suas questões na aula de dança, andando de bicicleta, indo para cachoeiras e escrevendo. A função agregadora da comida tem dado lugar para as caminhadas com as amigas e os passeios ao ar livre. Tem momentos que ele ataca a comida, mas aprendi que ele tem tanta dor que não faz sentido brigar com ele. Simplesmente acolho a sua fuga e digo para ele que estou aqui e vejo a sua dor.


Enfim, 10 quilos se foram e um prazer enorme em viver tem tomado meu coração. Estou amando profundamente meu novo amigo: o Joselito.



Referências

Lima, Romilda de Souza; Neto, José Ambrósio Ferreira; Farias, Rita de Cássia. Alimentação, comida e cultura: o exercício da comensalidade. Demetra - 2015

Gimenes, Maria Henriqueta Sperandio Garcia. Confort food: sobre conceitos e principais características. Revista de Comportamento, Cultura e Sociedade. 2016.


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1 Comment


Célia Regina Moreira
Célia Regina Moreira
Sep 14, 2021

Não estou falando!!

Uma bela escritora.

Tbem tenho que cuidar do meu Joselito

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